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As sombras da vida

Não vale a pena guardar nada que não seja bom

Yvelise de Oliveira - 02/10/2018 09h33

Hoje resolvi arrumar fotos antigas. Cheia de caixas, envelopes, comecei a organizar e remexer o passado. Estava tão feliz!

Diante dos meus olhos revivi momentos que nunca foram meus, mas de gente que um dia, certamente, teve sonhos como os meus.

Minha bisavó, minha avó, meu avô, meus tios e tias, meu pai, minha amada mãe, tudo, tudo se tornou subitamente real e me veio a certeza da fragilidade de tudo. Tudo é tão passageiro e tênue… Não vale a pena guardar nada que não seja bom, pois o tempo, esse desfazedor de tudo, acaba deixando apenas um monte de fotos e sorrisos que já não existem, lembranças que não são minhas, e saudades de quem nunca vi e daqueles que não verei mais, nunca mais…

Um sono morno e fora de hora toma conta de mim, nostalgia e fadiga, uma vontade louca de chorar. Já não consigo separar as fotos e toda a minha alegre expectativa se vai.

Num gesto de puro medo, guardo todas as fotos em uma única caixa. Aperto a tampa com decisão, não vou revolver o que não me pertence, não vou arrumar o que me gerou, não vou chorar lágrimas que não são minhas, nem colher sorrisos que não participei, nem sofrer por histórias que nunca ouvi.

As fotos, sim, as fotos são como um lento desenrolar de um velho filme de muitas pessoas que existiram e nem sequer puderam imaginar que minhas mãos as trariam para a luz do dia sem que seus olhos me pudessem ver tocar… Sem que nunca eu as tivesse tocado…

O coração acelera, o sangue me sobe o rosto, sinto lágrimas que escorrem de dentro de mim. Não são minhas essas lágrimas, são de todos que guardo na caixa de arabescos dourados.

Como tive a pretensão de ser tão forte para organizar tantas vidas, emoções, momentos eternizados assim há tantas gerações ou a inocência de achar-me distante de tudo que ali foi guardado.

No outono de minha vida, vejo e sinto o perfume da primavera de quem já morreu.

No silêncio do meu quarto, leio com reverência os versos com a letra de minha mãe:

“Os teus beijos, os meus beijos,
os nossos beijos, são mil rosas vermelhas de desejos
na primavera do teu corpo
em flor…”

Yvelise de Oliveira é Presidente do Grupo MK de Comunicação; ela costuma escrever crônicas sobre as suas experiências e percepções a cerca da vida. Há alguns anos lançou o livro Janelas da Memória, um compilado de seu material. Atualmente está em processo de finalização de uma nova obra, Suspiros da Alma.
* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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