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Prédios vazios, oficinas do diabo?

Existem 6 milhões de sem-teto vivendo ao lado de 7 milhões de domicílios vazios, nas grandes cidades. Mas o Ministério da Cidades, a ONU, as ONGS e os Movimentos Sociais falam em deficit habitacional

André Mello - 04/05/2018 16h07

Edifício de 24 andares ocupado por sem-tetos, em São Paulo, desaba após incêndio Foto: EFE/Sebastião Moreira

GRANDES NÚMEROS
Sempre que se falou em moradia no Brasil foram utilizados grandes números: muitos repetem que precisaríamos de 100 anos para resolver o problema. Há 50 anos, governos, ONGs, a ONU e os movimentos sociais apresentam soluções, investimentos e programas. Mas quanto mais mexem, pior fica.

A “favelização”, a ocupação desordenada e a atual multidão de famílias sem-teto indicam que essa panela desandou com tanta colherada. Como podemos entender? Como resolver?

ENTENDA O DEFICIT
O Ministério das Cidades fala em um deficit habitacional de 6 milhões de moradias. Em todos os 5.565 municípios pesquisados há problemas. Ao todo, o Brasil tem 68 milhões de moradias (para 207 milhões de habitantes). Em média, três pessoas por unidade. Cerca de 18% dos domicílios são alugados, segundo o IBGE.

O conceito de deficit habitacional, porém, vai além dos 6 milhões de pessoas oficialmente sem-teto. Entram aí as chamadas “moradias precárias”, ou mesmo unidades habitacionais em que o aluguel é alto demais.

MINHA CASA, MINHA DÍVIDA
Os programas habitacionais, curiosamente, não reduziram a falta de moradia para a população. Pelo contrário, mesmo construindo mais casas, o deficit alcançou seu maior patamar histórico. Foram entregues 1,5 milhão de unidades, mas SOMENTE 459 mil para a faixa 1, isto é, aquela que têm renda mais baixa. Ou seja, quem mais precisava, ganhou menos.

O resultado foi esse: no ano de 2017, a Fundação João Pinheiro constatou que o deficit habitacional atingiu o seu pior momento histórico. Mas não deveria diminuir?

CASA OU BARRIGA
A economia, a recessão, é a principal responsável pelo aumento do deficit. O gasto com o aluguel subiu, em 2017, para 48% da renda (sem incluir luz, água e outras taxas) de 85% das famílias. Com metade, ou mais da metade da renda comprometida, escolhe-se “a casa ou a barriga”. Então, abandona-se a casa recebida, muda-se, ou mora-se de favor com alguém (caso de 6 milhões de famílias). Outros, sem emprego e sem renda, simplesmente abandonam os imóveis.

E ainda há imóveis do programa habitacional governamental que sequer chegaram a ser oficialmente ocupados. Estão sofrendo, como outros imóveis vazios, com invasões. Segundo o Censo do IBGE existem 6,07 milhões de imóveis vazios no Brasil. Duzentas mil unidades a mais do que a necessidade apontada para atender a todas as famílias brasileiras. Ou seja, há mais unidades do que precisamos. Mas falta inquilino e comprador.

O BRASIL MORA MAL
O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, em 2000, calculava o deficit habitacional na América Latina em 51 milhões de moradias. Para o Brasil, 33 milhões. Desse total, 11 milhões vivem em “aglomerados subnormais” (nome técnico para a favelização). Ou seja, 6% da população do Brasil vive em comunidades subnormais. Quinze por cento da população de São Paulo encontra-se nesta situação. Vinte e cinco por cento dos cariocas. Dependendo do cálculo, metade da população mora muito mal.

O MUNDO NOS ENSINA
Não adianta, porém, achar que o problema é exclusividade nacional. Na França, o deficit alcança 24 milhões. Na Argentina, 20% das famílias estão em situações precárias. A crise da renda e da moradia, nos Estados Unidos, nos faz perceber que a simples construção, ou doação de casas não resolveria o problema. Los Angeles decretou estado de emergência quando constatou que 25 mil pessoas viviam nas ruas. Nova Iorque é a cidade com o maior número de sem-teto: 58 mil homeless.

Missões evangélicas, como a Midnight Mission de Los Angeles acolhem famílias e as orientam há 100 anos. “Recuperar a renda”, ensinam os missionários, “dar empregos e trabalho” é a única receita.

MUITO MOVIMENTO, POUCA SOLUÇÃO
São muitas as siglas. Em geral, faixas e grafites anunciam que um prédio público ou particular foi ocupado por um grupo organizado, para “cumprir a sua função social”. Mas há milhares de prédios invadidos sem “movimentos sociais” organizados. De fato, a legislação do Brasil indica que a moradia é um direito. Por isso, os movimentos sociais e as ONGs denunciam que 24% dos imóveis do Brasil estão vazios, “por especulação, ou abandono”.

Roberto Kovalick, em reportagem da Rede Globo, demonstrou como vivem os líderes dos movimentos e por que agem. Não vivem nas ocupações, mas em suas casas. Suas motivações são políticas. O Movimento Luta Social pela Moradia (MLSM), “síndico” do imóvel que desabou em São Paulo, estima mobilizar 20 mil votos.

Mas, não podemos criminalizar quem está desesperado para sair da rua. Também não há como condenar quem prefere aderir a um movimento, em vez de ficar à mercê do tráfico (crack), da prostituição (infantil, inclusive) e do contrabando. Especialistas sugerem que a formação de condomínios e cooperativas seria a melhor opção.

Num mundo ideal, associações de moradores e cooperativas habitacionais poriam ordem no caos.

OFICINAS DO DIABO
Ser vizinho de um prédio abandonado é morar ao lado de um “inferno”. A ausência da lei e da ordem, o descaso com a manutenção, o acúmulo de lixo, insetos e roedores, e a movimentação de drogados, ou mesmo de manifestações e degradação indicam que anos de abandono só serão recuperados com muito tempo.

Mas há saída, na Lapa carioca, a redução de impostos, o incentivo à manutenção predial e a geração de emprego e renda mudaram a face de um dos bairros mais antigos e degradados. Ou seja, deixar prédio vazio, gente desocupada e mente improdutiva só pode interessar ao coisa ruim. Gerar trabalho, incentivar a moradia e, como o Instituto Atlântico ensinou em uma comunidade carioca, envolver as pessoas na solução dos problemas de seu bairro, legalizando, moralizado e organizando as moradias é o único caminho. O resto é construção sobre a areia.

CONFIRA OS DADOS, SE QUISER
Conheça o trabalho do Instituto Atlântico e baixe as planilhas do banco de dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção com dados estatísticos da Fundação João Pinheiro (Ministério das Cidades), Banco Interamericano de Desenvolvimento e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Há dados atualizados sobre habitação no Brasil, também, no site do IBGE.

André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião.

 

* Este texto reflete a opinião do autor e não, necessariamente, a do Pleno.News.
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