Opinião André Mello: Não, cara. Marielle não é Martin Luther King
Eram negros e militantes dos direitos humanos. Foram assassinados. Dá pra comparar?
André Mello - 18/04/2018 09h13
MARIELLE FRANCO morta em 14 de março de 2018 X MARTIN LUTHER KING JR. morto em 4 de abril de 1968.
Há 50 anos, o pastor batista norte-americano, mundialmente conhecido pela sua atividade político-religiosa foi assassinado, pelas costas, na varanda de um pequeno hotel em Memphis, Tennessee. MLK, como é chamado nos EUA, tornou-se, depois da morte, um ícone da luta pelos direitos humanos nos Estados Unidos. Esse homem demonstrou, na prática, que Direitos Humanos não são bandeira anticristã. Pelo contrário. (Vale a pena visitar o Museu Virtual que traz fatos bem interessantes sobre a vida de MKL. Aproveite e visite também a página MKL50 e descubra como, ainda hoje, as igrejas batistas dos EUA defendem, de uma maneira cristã, as minorias, os migrantes e os miseráveis).
Mas, há quem compare Marielle Franco com MLK. Em comum: a letra M, a cor negra e a execução.
Gostaria de saber o que os leitores acham dessa comparação…
Pois, cá entre nós, ela começou com o Jornalista Chico Pinheiro, no Bom Dia Brasil, da Globo. Depois, Ricardo Boechat, da Bandeirantes, surfou na mesma onda. Afirmando que “certos assassinatos se tornam simbólicos” – carregados de emoção. Para eles, essas mortes entram no imaginário popular, criam movimentos, geram ícones. Aqui, na coluna, temos liberdade para pensar. Dá pra comparar as duas figuras?
SIM e NÃO.
Sim.
Ambos foram assassinados por causa de suas ideias e de suas militâncias. O Pastor batista estava apoiando uma greve dos garis (trabalhadores da coleta de lixo). Os cartazes diziam “I am a Man” (Eu sou um homem). O Dr. King, como era chamado, porém, não foi assassinado somente por causa da ação política.
Na época, os crimes de ódio racial e os linchamentos eram organizados por supremacistas brancos. A turma ainda existe e é capaz de escrever cartazes contra Trump, porque ele “entregou a filha para um judeu”. Um deles, James Alex Fields Jr. jogou seu carro sobre uma multidão que protestava contra supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia (em agosto de 2017). O outro James, James Earl Ray, foi capturado em Londres, extraditado para os EUA e condenado pelo assassinato de Martin Luther King. Durante os meses em que a investigação não andava, vários estados americanos registraram protestos constantes e distúrbios de massa. Os levantes dos guetos duraram vários meses e, ainda hoje a data é dia de protestos. Ronald Reagan, membro da Igreja Presbiteriana de Bel Air e conservador, reconheceu o legado de MLK e decretou um feriado nacional em sua memória.
Agora, pense: Você pode imaginar algo parecido? Por mais que alguns tentem, não há comparação.
Não. De fato, Marielle não é MLK. Agora, em 14 de abril de 2018, um mês depois de sua morte, manifestações culturais e protestos tentaram repetir a enorme comoção imediata, em várias capitais do Brasil – uma pressão popular e espontânea, parecida com os movimentos populares de 2013. Contudo, a julgar pelo barulho, não chegaram nem perto da comoção motivada por MLK, nos EUA e no mundo.
Em resumo: os guetos não se sublevaram, as favelas não incendiaram e, apesar de todo espaço e de todas as comparações, faltam negros e pobres nas passeatas.
Talvez, até, isso se explique pela votação da vereadora ter sido majoritariamente de classe média. Talvez seja apenas um sintoma de que, apesar de sua origem, Marielle não seja um fenômeno de massa. Anitta e MC Carol falam mais às comunidades, quer gostemos disso, quer não.
Mas, vamos aos fatos e números:
Os protestos do último sábado não sacudiram o imaginário popular. Fora do Brasil, porém, a síntese representada por Marielle (mulher, negra, moradora de comunidade, ativista dos Direitos Humanos, socióloga e vereadora) ganhou mais destaque do que por aqui. O Brasil que lê em inglês e em francês é bem diferente do Brasil que ouve rádio e assiste TV. Os dois “Brasis” se digladiam na Internet. Com vantagem para a banda larga.
Possivelmente, há mais uma vítima associada ao caso – um possível delator foi executado, depois de prestar depoimento aos investigadores. Talvez, por causa dessa morte, em uma entrevista recente, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, indicou que a principal linha de investigação da morte da vereadora e do motorista Anderson Pedro Gomes envolve a atuação das milícias.
E, não. Marielle não é o MLK tropical. Ela não foi morta por causa de sua cor, não foi vítima de um crime de ódio por causa de sua orientação sexual. Sua morte fez e faz parte de um xadrez sinistro, no qual as milícias dão um xeque-mate na população e desafiam os governos. A tentativa por parte do movimento LGBT de aprofundar a associação do caso de Marielle com suas milhares de vítimas pelo Brasil é infundada. Não é fato. Decisivamente, ela não foi morta por causa disso. Como a população intuiu imediatamente, a força do ato terrorista, a poucos metros da Prefeitura, tinha a mesma assinatura das execuções feitas por milícias em outros lugares. No tipo e tamanho da execução e na lambança era um recado para a câmara dos vereadores.
Aliás, em um silêncio eloquente, ninguém fala, nem imprime, nem comenta que, no mesmo dia, as milícias mataram outras pessoas – e o caso mais claro é a execução de Marcelo Diotti da Mata, morto no estacionamento do restaurante Outback, que fica na avenida das Américas, Barra da Tijuca, zona Oeste do Rio de Janeiro. No mesmo dia. Horas depois.
Se tivéssemos que imaginar o roteiro de um filme, nessa hora os investigadores já estariam com um mapa das duas ações. E estariam perguntando: Qual a ligação?
Aqui, no Pleno.News, não temos medo de investigar essa conexão. E nem temos receio de dizer: somente o fortalecimento de uma política de segurança pode deter a escalada terrorista dos milicianos. Pergunte a qualquer um que more nas periferias. Escute o silêncio.
A tempo: A evangélica Marina Silva herdou a bandeira de Chico Mendes, executado por causa de sua ação política entre os seringueiros no Acre. Contrariando outras interpretações, Marina percebeu que era preciso gerar renda e trabalho para que os povos da floresta vivam. O Estado e as empresas foram chamados para organizar o caos.
Não apareceu, até agora, um nome semelhante, após a morte de Marielle. Mas, olhando para o cenário político, pode aparecer, se houver algum candidato que decida enfrentar o crime organizado nas muitas capitais brasileiras, que sangram nas mãos do narcotráfico, dos contrabandistas, dos ladrões e dos milicianos.
A tempo 2: A vereadora questionava a política das UPPs e a intervenção militar na segurança. Mas, vamos dizer de uma maneira explícita: ela não foi morta pelo “Estado”. O “Estado”, verdadeiramente, está representado pela luta dos agentes públicos de segurança contra as milícias. Luta muito maior do que sugerem nossas vãs filosofias.
A tempo 3: A esquerda, infelizmente, precisa reconhecer que não se enfrenta milicianos com flores. Precisamos, antes que seja tarde, de uma ação conjunta de investigação, prisão e condenação de todos os criminosos infiltrados nas brechas do sistema. Sem prisões, sem exonerações, sem investigações, a milícia apenas cresce. E “mata geral”. Se prestarmos atenção ao que acontece na Zona Oeste e na Baixada Fluminense vamos despertar desse “berço esplêndido” que os teóricos de longo prazo apresentam. Antes de alimentar, educar e formar as futuras gerações, precisamos que elas fiquem vivas.
A tempo 4: Muitos não gostam de falar de segurança pública. Tem medo, ou algum tipo de vergonha. Durante muito tempo, até mesmo no meio acadêmico, segurança foi um assunto menosprezado. Mas é preciso dizer: sem segurança, não se faz nem política, nem escola, nem cidadania… Afinal, quando vamos às urnas, não achamos bom ver ali os agentes do Estado? Será que todos sabemos que as nossas urnas são escoltadas antes, durante e depois das eleições? Imaginamos por quê?
André Mello é jornalista, tradutor, teólogo e cientista da religião. |