Opinião Josué Gonçalves: Casamento, uma aliança que começa antes da cerimônia
Atualmente não é fácil entender o verdadeiro peso que há no acordo de uma aliança
Josué Gonçalves - 07/04/2018 08h00
Prezado leitor do Pleno.News, hoje quero conversar sobre aliança. Aliança entre um homem e uma mulher que decidem se casar. Essa aliança começa bem antes da cerimônia de casamento.
O milagre não prova o impossível; serve, apenas, como confirmação do que é possível. (Provérbio judaico)
Um idioma, a língua de um povo, é algo dinâmico, muda frequentemente. As palavras em um idioma também mudam, ainda que seja um detalhe ou outro. Há décadas as pessoas escreviam “pharmacia”; hoje escrevemos “farmácia” para dizer a mesma coisa. Há décadas as pessoas eram chamadas de “vossa mercê”; hoje chamamos simplesmente de “você”. Mas há outra mudança que ocorre com as palavras: o significado delas.
Há palavras que há um tempo tinham um significado e hoje, a mesma palavra, pode ter outro significado bem diferente. Um exemplo atual é o que aconteceu com a palavra “casal”.
Eu sou do tempo que “casal” significava a união de um macho a uma fêmea. E isso valia também para os bichos: um casal de araras: uma arara macho e uma arara fêmea. Hoje não tem sido encarado assim. A palavra “casal” foi banalizada. Em nossos dias a palavra casal é usada para descrever aquilo que no meu tempo chamávamos de “par”. Um par de macho, um par de fêmea. Mas tanto no dicionário de português, como para mim e para muitos da minha geração e da Igreja de Cristo, a palavra “casal” continua sendo a união de um macho a uma fêmea. E ponto. Mas no mundo que jaz sob controle do maligno a palavra “casal” teve o seu significado deturpado.
Do mesmo modo, hoje em dia não é fácil entender o verdadeiro peso que há no acordo de uma aliança. Quando pensamos numa aliança ou quando falamos em fazer uma aliança, muitas pessoas já não sabem do que se trata. A palavra “aliança” tem um peso maior quando estudamos a sua origem, quando procuramos entender o que ela representava em tempos passados, quando era usada para representar ou para significar algo específico, um conjunto de ações, de comprometimentos e de disposições que hoje têm sido ignorados.
Quero tocar nesse tema para que você perceba algumas fortes implicações existentes na celebração de uma aliança.
Falar sobre casamento, nos últimos anos, tem levado as pessoas a associarem a ideia da união matrimonial com o estabelecimento de um contrato. Há palestrantes, conselheiros, professores e muitos outros formadores de opinião comparando o casamento a um contrato. Mas será que recitar aqueles compromissos no final da cerimônia implica simplesmente em firmar um “contrato”?
- Prometo ser fiel na dor e na saúde;
- Prometo ser fiel na tristeza e na alegria;
- Prometo ser fiel na pobreza e na riqueza e
- Prometo ser fiel na velhice como na juventude.
Essas são cláusulas de um contrato?
Embora essas afirmações sejam semelhantes a cláusulas de um contrato, elas fazem parte de uma cerimônia; elas são parte de uma liturgia que, na verdade, é a parte pública daquilo que já vem acontecendo no âmbito privado, no coração, na alma e no espírito de cada parte, ou seja, acontecendo no noivo e na noiva. Quando o oficiante da cerimônia, por exemplo, o pastor, pede que os noivos repitam essas palavras, o pastor entende que está “publicando” diante dos convidados ali presentes algo mais profundo que se realizou e se realizará ainda por muito tempo, durante toda a vida, envolvendo as três partes: você, DEUS e seu cônjuge.
É por não entenderem corretamente essa questão que muitas pessoas se casam imaginando que a união conjugal se assemelha a um contrato. “Em caso de incêndio, chame o bombeiro”, ou seja, se algo der errado contrate um advogado e separe-se. Para pessoas assim, negar as palavras ditas no altar é considerado algo de pequeno valor. E a Certidão de Casamento perderá o valor tão logo alguém pague três salários mínimos a um advogado que seja “meia boca” para que faça o divórcio.
No entanto, quem disse que o casamento pode ser associado a um contrato? Contratos têm responsabilidades limitadas a cláusulas que são previamente combinadas e no descumprimento de qualquer dessas cláusulas configura-se condição para o destrato, a separação, o rompimento do compromisso inicial.
Por isso, tenho sérias resistências a comparar um casamento a um contrato, que pode ser desfeito por uma besteira qualquer, por um mau humor ou um simples desentendimento. Prefiro apegar-me ao conceito de aliança quando preciso demonstrar ou exemplificar o que significa, hoje e sempre, a palavra casamento.
Casamento é uma aliança
Diferentemente do contrato, uma aliança traz responsabilidades ilimitadas. Eu definiria uma aliança como sendo “um forte compromisso e lealdade até à morte. Ou seja, vou além da morte física e penso na morte à vida independentemente de um espírito aventureiro e doação de suas vidas um pelo o outro. A vida individual deve ser vista como acabada, no sentido mais amplo do que significa “individual”. Já não são mais prioridades os programas que eram feitos “só para meninos” ou “só para as Luluzinhas”. Os noivos, ao casarem-se, deverão manter sua individualidade, mas não poderão ser individualistas. Na nova vida, cada um irá preservar suas características pessoais sem que sua personalidade seja absorvida pela vida do outro; do contrário, o casamento desfiguraria pessoas em vez de formar pessoas mais completas – uma nova carne.
No meu livro Construindo um Casamento Sexualmente Feliz, escrevi:
No casamento sadio há individualidade, mas não individualismo. Individualidade é respeito consigo mesmo. Individualismo é desrespeito com o outro e egocentrismo. É inadmissível pensar que, se eu estiver bem, não me importa que os outros estejam passando fome, inclusive minha esposa, meus filhos e a família dela e a minha também.
Na individualidade, eu preservo minhas características e coopero com meu cônjuge e com minha família por meio da mutualidade. É nisso que acredito. Agora, na vida de uma pessoa individualista, o egoísmo é a característica marcante de sua personalidade. A pessoa se casou, mas pensa somente em si, faz planejamentos para seu próprio benefício e não importam o que os outros pensem ou sintam, desde que essa pessoa esteja sentindo-se bem. Quem se casa deve abandonar essa maneira de viver para dedicar-se à composição de uma nova situação familiar que envolverá o cônjuge e futuramente os filhos. A vida compartilhada passa a ser a sua prioridade.
Assim, o casamento precisa ser encarado dentro de um cenário onde a mutualidade seja o ingrediente marcante, que esteja presente e seja firmemente considerado pelas partes que irão se casar ou que já se casaram. O casal consciente do significado do “casamento como aliança” permitirá o seu envolvimento em compromisso que dê maior atenção a esse aspecto, que é o aspecto da aliança, e não o casamento visto como contrato. É por não compreenderem isso que algumas pessoas dizem que se o casamento não der certo, irão se divorciar.
Pessoas que se dispõem a casar com predisposição a separar-se diante do primeiro problema, ainda não sabem o significado da palavra casamento, e nem ao menos passa por suas cabeças o que vem a ser uma aliança. Elas namoram tendo em mente o pensamento “comercial”, ficam noivas tendo em mente o pensamento “liberal” e se casam tendo em mente o pensamento no “mal”. Ou seja, se não der certo, separo-me.
Sabemos por meio dos pesquisadores e historiadores que o casamento em Israel, como na Mesopotâmia, nos tempos de Jesus, tinha um caráter marcadamente civil, com pouca implicação religiosa na sua cerimônia. Desde antes do exílio de Israel, que ocorreu entre os séculos 6 ou 7 a.C, os judeus selavam seus casamentos amparados por um contrato. Por exemplo, há documentos descobertos na colônia judaica de Elefantina, no sul do Cairo, no Egito, que datam de cinco séculos antes de Cristo, e esses documentos informam os contratos de casamento feitos entre os judeus.
Não podemos duvidar de que isso era totalmente reprovável diante do Senhor. Aos olhos de Deus, o casamento não teve e nunca terá caráter contratual, pois sua essência é aliancista, ou seja, diz respeito a uma aliança. O fato de os judeus não adotarem esse posicionamento não significa que devemos imitá-los, pois vemos claramente que Jesus nem sempre aprovou aquilo que era comum entre os judeus. Um exemplo bastante claro do que estou dizendo é a questão do divórcio. Os judeus, como vemos, adotaram o divórcio como prática comum e alegaram que Moisés o havia sancionado como norma:
“Então, por que Moisés mandou dar-lhe documento de divórcio e mandá-la embora? Quando ouviram Jesus ensinando e tendo atenção maciça dos populares, os judeus e fariseus aproveitaram a ocasião para perguntar a Jesus se Ele era favorável a esse costume implantado por eles em Israel. A resposta de Jesus foi negativa: Ele lhes disse: ‘Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos permitiu se divorciar da vossa mulher; mas não foi assim desde o princípio. Mas eu vos digo que aquele que se divorciar de sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, e se casar com outra, comete adultério (e quem casar com a divorciada comete adultério)'” (Mateus 19:7-9).
A orientação original, do modo como Deus mesmo via o casamento, Jesus já tinha dado momentos antes, como lemos nos versículos 4 e 5 de Mateus 19: “Jesus respondeu: ‘Não lestes que desde o princípio o Criador os fez homem e mulher, e ordenou: Por isso o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher; e serão os dois uma só carne?'”.
Aos olhos de Deus o casamento é uma aliança. Malaquias chamou a esposa de “a mulher de tua aliança” (Malaquias 2:14), e para isso usou a palavra berith, que é a palavra que todo judeu compreendia como sendo aliança profunda, de sangue, como aquela que selava o pacto de Deus com o povo de Israel. Também em Provérbios 2:17, o casamento foi chamado de “a aliança de Deus”, e na alegoria de Ezequiel 16:8, a aliança do Sinai se tornou o pacto de casamento entre Jeová e Israel.
Uma aliança é algo mais profundo, enraizado na vida da gente. Uma aliança é um pacto.
Um pacto reúne forças e créditos antes separados
Os antigos pactos tribais eram celebrados entre comunidades diferentes. Nos tempos de Abraão, por exemplo, quando um líder tribal celebrava um pacto com outro chefe ou líder tribal, eles se consideravam unidos para sempre. Esses pactos dispunham ou envolviam todos os bens daqueles líderes que se pactuavam. Quando digo “tudo”, estou me referindo a coisas como forças, guerreiros, riquezas, os bens de um líder. Tudo o que pertencia a um líder deveria ficar à disposição do outro líder, da outra parte da aliança.
Seguindo esse raciocínio, as alianças ou pactos eram celebrados entre famílias, tribos, etnias e comunidades quando pretendiam se fortalecer mutuamente ou ampliar o alcance de seu poderio. As alianças beneficiavam as partes envolvidas, melhoravam as condições de vida e aumentavam grandemente os recursos que as partes passavam a usufruir, pois na antiga condição não poderiam dispor dos mesmos recursos. Assim, as comunidades ou famílias poderiam avançar suas conquistas, estender seus domínios a outros territórios e, no dia da adversidade, elas teriam à sua disposição a aliança com um exército que se somaria ao seu.
Veja, então, que as implicações e responsabilidades de uma aliança não se podem comparar com as implicações e responsabilidades de um contrato. E, cá entre nós, diante dessa condição que estou demonstrando, um contrato é muito pouco para representar a profundidade que o casamento pode alcançar enquanto aliança.
E então, como você vê ou tem visto o seu casamento? Você ainda não se casou? Ótimo! Mas já está encarando o matrimônio com visão de contrato ou da aliança? Você já se casou? E como tem se portado em relação a essa questão? Você trouxe para o casamento o pensamento individualista ou você é cooperador do seu cônjuge? Você se desligou do passado ou ainda quer os benefícios de ser solteiro juntamente com as regalias do casamento?
Quando o casal vê o casamento como uma aliança, os dois investem mais na sua sustentabilidade.
Que Deus continue abençoando o seu casamento!
Josué Gonçalves É terapeuta familiar, escritor, pastor e apresentador do programa Família Debaixo da Graça, transmitido pela RedeTV!. Trabalha com o tema Família há 27 anos. |